Culpa católica
Juntava as mãos toda vez após as mesmas explorarem o próprio corpo. Deus, me perdoe por ter pecado. Em tópico de corpo e deus, tomava a hóstia todo domingo de manhã, ajoelhava e pedia perdão pelos inúmeros pecados cometidos aos treze anos de idade.
Padre, eu pequei, disse em sua primeira confissão, aos onze. E no que você pecou, minha filha? Fiquei com preguiça de ir à missa. Respondi à minha mãe. Reze três ave-marias e dois pai-nossos. Ajoelhada na parte de trás do banco de madeira, em frente ao próprio Jesus crucificado, só conseguia pensar no beijo na bochecha que a Aninha dera nela. Sentiu uma queimação, no rosto e em outros lugares. Aumentou a dose de suplicações: Deus, me perdoa me perdoa me perdoa.
Anos depois, estava seminua na cama da Aninha. Depois de passar a língua por todos os centímetros do corpo dela, virou para o lado e rezou três pai-nossos bem baixinhos.
A Aninha se foi e vieram Julias, Amandas e Camilas. Veio um Carlos, para casar, ele era um homem bom, da igreja, sempre perfumado. Ela suplicava Deus, deixa eu gostar dele. Mas Deus nada.
Comprou um vibrador, então, será que é menos pior? Mas os pai-nossos aumentaram, as ave-marias já não pareciam suficientes.
— E aí, doutora, é grave? Já viu alguém assim?
— Sim. Eu mesma sou católica.
— E o remédio, doutora, qual é?
— Eu mesma não sei.
Desolada, sentou no sofá da sala de espera da clínica que ficava no sétimo andar, matutando a cura. Um feixe de luz iluminou a mesinha de centro à sua frente. Deus, é você? Empurrou a persiana, escancarou a janela e pulou para encontrá-lo. Se a culpa veio depois, ela não sentiu.
…
Lua Barcelos é jornalista e escritora. Cria conteúdo literário sobre mulheres em @ahoradalua.