Mudei há pouco tempo para um prédio velho.
Sendo sincera, “velho” é um eufemismo: o prédio está caindo aos pedaços. Ele é desses em que a infiltração é uma inquilina antiga, e o elevador estala e se sacode durante a interminável subida até o meu andar. Tenho a sensação de que é possível fazer a manicure durante a viagem entre o estacionamento e o meu piso, e chegar em casa com as unhas secas.
Mas não dá nem para reclamar…, é um bom apartamento, num edifício bem localizado. E sem gerador.
Dia desses rolou um mini furacão na cidade, que resultou no estouro de um transformador em algum ponto do quarteirão. A consequente falta da energia elétrica nos abateu. Era, sei lá, cinco da tarde. Seis da tarde e nada de luz, achei de bom tom avisar o marido – que chegou às seis e quinze e parou em sua vaga, no segundo subsolo. E subiu, subiu, subiu… onze andares. Abriu a porta, cumprimentou os gatos, e desmaiou no tapete da sala.
Não se passaram nem cinco minutos e recebemos uma ligação do zelador: “Dona Daniela, boa noite. Avise o senhor Marcelo de que ele esqueceu a luz do carro ligada”.
Meu marido quase chorou.
Eu, esposa fofa que sou, me ofereci para descer. Vejam bem, a oferta foi feita por educação. Não dirijo e não entendo nada de carro, e preciso reforçar que o dele se parece com a nave da Xuxa, de tantos botões, alavancas e luzes piscantes no painel.
Mas ele, deselegantemente, aceitou a oferta.
“Tá certo, não pode ser tão difícil”, avaliei. Peguei orientações e desci. Desci, desci, desci. Cheguei no dito cujo, abri e fechei a porta, contando que um dos milhares de sensores entenderia o recado. Nada. Abri, entrei, puxei a devida alavanca, nada. Empurrei a alavanca. Girei um botão. Saí, fechei a porta, a luz permanecia ligada. Chegou o zelador para ajudar, vai vendo. Dois tontos dentro do carro, e a luz acesa.
Chegou o vizinho, com esposa e dois filhos. O zelador pediu ajuda antes que eu pudesse emitir qualquer opinião. O vizinho entrou no carro, a esposa palpitou de fora, os filhos correndo em volta, e nada da luz apagar. Seis tontos em torno do carro.
“Queimou o sensor!”, “Não, travou a alavanca!”, “Que nada, acho que é problema elétrico…” – antes que alguém inventasse de fuçar no motor, achei prudente ligar para o marido, utilizando meu último fôlego de bateria no celular. Senti que ele praguejou por dentro, mas em voz alta comunicou que desceria.
Aguardamos, todos, pacientemente. Os vizinhos, por curiosidade. As crianças, por diversão. O zelador, pelo afã de ajudar. E eu, pelo castigo autoimposto. Por que, Senhor, por que me coloco nessas situações?
Eis que ele chegou cinco minutos depois, de roupão e arrastando o chinelo. Olhou espantado aquela assembleia, deu boa noite, abriu a porta do carro, apertou um dos botões (Qual? Quaaaaaal???), a luz se apagou. Disse “obrigado”, e subiu, sem olhar para trás.
Sério.
Daniela Falcão é geminiana, casada, mãe de dois gatos. Paulistana, são paulina, vegetariana. Ama Agatha Christie e Lygia Fagundes Telles mas, volúvel, segue aberta às novas paixões (a última, Mónica Ojeda). Escreve uma newsletter semanal chamada “Ou ou ou” no Substack. Toma café sem açúcar e água com gás, e faz todo curso de escrita criativa for free que encontra.