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Ariadne

é rubro o fio que me ata ao reflexo
fio diáfano inviolável
que reescreve o tempo
e o deita perante meus pés
entalhes, trilhas que sigo
contigo, instinto e ardor
para traçar passos outros
labirínticos,
tortuosos, nossos.

é rubro o sangue que me escorre as paredes
sangue de corpo-bicho-mulher
que verte, alma às mãos
e se desfaz, água carmim
na pele em flor de seus braços,
cálices que transbordo
e preencho, lar que habito,
que me habita
em igual medida.

Canto oceânico

Grãos sobre grãos — veludo dourado
Areia úmida moldada por meus
Pés, correndo como se o tempo
Me faltasse

Mas o tempo é tênue aqui, e meu
Ímpeto é o desejo amante de
Tocar — entremear às mãos;
Ainda assim, corro

Cachos salgados e a brisa que me desliza
Ao longo da pele; densa, langorosa
Agarrada aos poros — suor fresco,
Orvalho na fruta

Sal líquido, vertido ao que deixo
A terra e avanço, adentro braços
Como filigranas — una ao mar,
Sonho

Longe do raso, desfeita
E refeita das profundezas
Meio mulher, meio água —
Arcana, inteira

Ondas quebram, tão agudas, tão
Suaves quanto as curvas de minha
Carne — mesma matéria, mesma maré;
Submerjo

E, renascida, ressurjo
Fluida, enleada às torrentes,
À íntima beleza disso —
Somos um.

Distância

Um toque impalpável ao longo de sua coluna
É noite — entregue ao torpor, você dorme

Pálpebras cerradas, e, no entanto,
Tênues cintilâncias
Sutis ruídos
Sustentam a vigília
Suaves inquietações
Detêm o corpóreo

Em meio ao reino do
Langor onírico
Seus olhos buscam
Reflexos vítreos —
Superfícies de parecença

Sua imagem reluz,
A vista repousa sobre
Constelações em seu peito
Asterismos não mapeados, sem nome

(Eu os vejo, uma faísca distante;
Contas ao longo da garganta
De uma abóbada crepuscular
E lhe alcanço — um toque impalpável
Ao longo de sua coluna
Verte a matéria — poeira iridescente
De que as estrelas são feitas.)

Silêncio

me deito outra vez sobre
a madeira do piso onde chorei
aos quinze, feita em farpas, ferida
por suas palavras—
mas o que me fere
delas agora
é a ausência.

canto da sereia

cálidas noites de dezembro
respirando os vapores
de seus pulmões,
tão puros quanto o ar
(sal, fumaça)
de pleno verão
ondas quebram,
lua vertida em demãos
que, bruscas, nos tingem
mas tudo pouco nos importa
sob olhos que cerram
na escuridão

todos os gatos são pardos
nenhuma verdade proibida
nenhuma palavra estilhaçada
e meus lábios te chamam
para perto — rumo à
lanterna, inexorável
farol

essa crença é cega
não desprenda seus
olhos dos meus
danem-se os naufrágios
meus rumos, seus, serão
sem declínio
alinhadas estrelas
tecidas, caminhos
e se você se for,
irei junto—se não
por destino, então
por desígnio.

Sofia Lopes é escritora, tradutora e pesquisadora, com mestrado em Literatura pela UnB. Sua escrita é focada em contos e poemas, e suas publicações incluem livros, ficções interativas e antologias.

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