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no dia que minha avó disse que o único homem que ela amou foi meu avô, ela me deu uma sentença de morte
hoje desejei queimar a ponta dos meus dedos indicadores
será que
com o isqueiro em mãos eu
teria coragem?

eu ainda me sinto
mais do que como uma viúva,
como uma Ana C.
uma Ana Calada
não fala, só pensa

minha garganta ainda arranha quando estou na casa dos meus pais e eu
ainda não consigo gritar quando
o Lula vence as eleições

[amor,] eu quero ir embora
abra a porta e me mande para fora
deixe-me jogada na rua
venha gritar comigo na calçada
eu preciso de todos os sinais
de toda a violência
talvez eu precise do fogo
preciso ter os dedos queimados
o corpo defumado
preciso do concreto
por isso escrevo este poema em formato de massa corrida
também é poesia

não arrombo a sua porta porque
eu quero que você deseje que eu entre.
sem resposta,
eu fico.
não vou,
não voo.
o chão gelado me agrada
mantenho meus pés bem colados a ele.

ontem Exu me disse que
preciso conhecer você antes de entregar-lhe meu coração
senão vou me machucar
por isso
bato à sua porta e pergunto-lhe
quem é você?
teimosa, respondi a Exu que
não posso evitar me machucar
é um risco
o amor é
de fato
arriscar
por isso escrevo
risco seu nome em páginas em branco
em cadernos azuis
quem é você?

buscando você hoje esqueci de que me tenho bem aqui
colada em mim
guardada numa caixinha de música
a bailarina rodopia enquanto toca uma canção e quando acaba a corda eu fico
toda amassada
aqui dentro

semana passada você me fez perceber que uma mesa bonita de café da manhã é poesia.
me diga agora então
[amor,] quantas poesias você fez para ela?
quantas camisinhas ainda restam no pacote que você comprou
naquele dia no mercado numa promoção?

por que a mim só te restam as palavras?
por que você não faz massa corrida em formato de poema para mim?

você sabe sorrir com o olhar.
sabe dizer coisas com os olhos.
e eu sou filha da comunicação silenciosa.
é poesia.

mas a mim
só te restam as palavras
e talvez os riscos no papel amassado que
convenhamos, não me enxergam.

o primeiro menino de quem eu gostei chamava-se Pedro
fui rejeitada por ele umas 20 vezes
chorava, mas
eu não precisava tê-lo
o que me assusta
não sei até onde estou disposta a ir para
apenas me contentar com
não te ter.

sangrenta de amores
São sempre meus amores que me fazem chorar
incham-me o rosto
avermelham-me o nariz e os olhos.

desde pequena acho que sinto demais
choro demais
incha-me o rosto demais

a primeira vez que chorei de amor
foi ao me deparar com a falta dele, eu acho
eu me lembro assim.

hoje tudo se mistura e o afeto e o não-afeto
ainda fazem meu rosto avermelhar
eu não sei se queria mesmo que fosse diferente
mas já quebrei tanto essa cara que carrego
que não sei mais como é possível
que escorram tantas lágrimas sobre ela.

e eu me lembro de uma visita ao museu,
de portinari sussurrando no meu ouvido
que se ele não fosse pintor,
ainda queria ser pintor
e de como eu pensei que
se eu não fosse artista,
queria ser artista.

hoje eu só não queria sentir tanto assim e
chorar de menos
escrever de menos

hoje queria ser outra.
filha de outros pais
ex de outro homens
apaixonada por outras mulheres
e menos encantada pelos peixes
eu queria outras histórias e dores
para levar comigo no peito

como eu queria me bastar
ser menos vermelha, mais
cintilante
calma como azul bebê

e me dá raiva pensar que tudo na minha vida tenha se construído para que eu seja exatamente assim:
pulsante
vermelha
e desesperada
com tanta dor de estômago que parece que
vive em mim um gigante
ainda pequeno demais para este mundo

deposito todas as minhas chances em você
aposto todas as minhas cartas
xeque-mate.
sabendo que terminarei assim, vermelha.

na maternidade, quando nasci
lá onde hoje você faz poesia,
não cortaram minhas unhas.
minha mãe conta que
logo nos primeiros dias de minha vida
eu já chorava
e arranhava-me o rosto inteiro

até hoje
tudo dói
e arde um pouquinho
tudo me torna vermelha
e eu aparo bem as unhas

olham-me e dizem:
“não adianta nada,
ela nasceu assim”

Isabella Antoniazzi, 21 anos, taurina. Nascida em Ribeirão Preto (SP), desde pequena busca traduzir seus pensamentos para a língua portuguesa através da escrita. Iniciou o curso de Serviço Social no ano de 2020 e descobriu-se uma cronista poética em 2021, quando os sentimentos deixaram de caber em si e fugiram para o papel, encontrando-se por completo na poesia.

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