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Viajar sozinha, morar sozinha, gostar de ter momentos sozinha, é diferente de se sentir sozinha. Ou ser, de fato.

Mas a solidão é sorrateira. Te pega desprevenida no meio de uma tarde feliz, em um evento, um jantar entre amigos. Uma viagem. No meio de uma foto sorridente em frente ao ponto turístico que você tanto queria ver de perto. Saboreando aquele sorvete refrescante depois de um mergulho no mar. No café da manhã farto do hotel. À noite, quando parecia que você finalmente ia pegar no sono depois de um dia intenso e agradável.

Estar bem com a gente mesma é mais complicado do que parece porque não é um estado constante. Você está segura de si e de repente, como numa rajada de vento, tudo muda. Às vezes, de forma tão abstrata que nem dá para descrever ou explicar.

Uma sensação esquisita. É ela, a solidão. Quase sempre acompanhada da insegurança. Que traz junto o medo. E você se vê cercada dos monstros que tinha certeza ter dominado.

Solidão a um, a dois, a três, a quantos couberem. Solidão acompanhada, solidão conjunta, solidão com medo, solidão responsável, solidão de tédio, solidão com saudade. Solidão sufocada. Solidão sobrecarregada. Solidão à distância. Nunca foi só sobre estar sozinha ou sobre viajar sozinha.

Eu gosto dos meus silêncios. Dos meus espaços e não falo só no sentido físico da coisa. Mas não é constante porque nada é.

E se você está esperando que eu diga como dissipar essa sensação que, às vezes, é tão avassaladora e tão amedrontadora, eu sinto dizer, mas eu não sei. Acho que ela tem vontades próprias, chega e sai quando quer. Às vezes, demora mais do que eu gostaria, é verdade. E, mesmo depois que passa, fica algo aqui dentro.

Pensei muito nisso na pandemia. No início, cheguei a dizer que o fato de estar acostumada a ficar comigo mesma era um facilitador ao lidar com a quarentena. Mas a gente achava que seriam duas semanas. Um mês e olhe lá. Dois, na pior das hipóteses. E perdi as contas.

O isolamento, o não poder, o caos lá fora, a morte. A sensação foi de estar em uma montanha russa enorme – daquelas que eu nunca tive coragem de ir. De repente o carrinho sobe, você acha que não vai aguentar, ele desce, você se desespera, ele faz um looping, vira tudo de cabeça para baixo e, quando você vê, está de novo numa subida ainda mais alta.

Sem fechar os olhos para não perder nada. Sem soltar o cinto, senão cai. E ninguém sabia quantas voltas ainda faltavam até que a gente pudesse parar e respirar.

A gente não fazia ideia de como seria o momento de poder viver a vida novamente. A gente não sabia quando. A gente não sabia como. A gente não sabia se! Às vezes, parecia até que eu tinha ficado anestesiada. Tipo aquela música do Arnaldo. “Nem medo, nem calor, nem fogo, nem amor, nem dor, não dava mais para chorar, nem para rir”.

Olhar para frente, ali, era um vão. Uma tela em branco. Um monte de dúvidas. Olhar para trás, hoje, é estranho. Tivessem me contado antes como seria eu ia dizer que não dava. Mas deu. 

Entre livros e filmes, procrastinações, novas tarefas, cursos, noites insones, dias pesados, janelas, quintal, gatos, comidas, incertezas, raivas e decisões, eu sobrevivi. Você sobreviveu. Alguns caminhos mais doloridos que os outros, é verdade, mas aqui estamos.

Lembro da primeira viagem de lazer depois que as coisas estavam mais tranquilas e da moça que parou ao meu lado no ponto de ônibus. Pedi uma informação. Seguimos conversando por um bom tempo sobre assuntos diversos. E eu só conseguia pensar que eu não tinha perdido a minha habilidade social. Eu ainda era capaz.

Uma bobagem, olhando hoje, assim, à distância. Mas eu tinha esse receio. Foram muitos sentimentos misturados, durante meses, com pouquíssimos contatos. E, naquele momento de gentileza entre estranhos, era a sensação de conforto que eu precisava para ter certeza de que eu não tinha enlouquecido. Pelo menos não totalmente.

Mariana Bueno é jornalista e escritora. Mineira, moradora do litoral norte de SP, capricorniana, cruzeirense e feminista, é autora de “Eu não quero chegar a lugar algum” (2019) e “Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim” (2024), ambos de crônicas. Escreve, principalmente, sobre viajar sozinha e outras questões do universo feminino, tema principal dos conteúdos publicados em seu blog Mariana Viaja (marianaviaja.com).

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