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Ouvi uma entrevista de uma nutricionista que argumentava sobre nossa geração estar viciada no excesso, no exagero. Logo depois, uma arquiteta dizendo que a grande maioria dos clientes dela pedem um estilo de ambiente cada vez mais minimalista e que acredita que essa tendência continue. Na moda isso também acontece, vemos os básicos voltando com um soco na mesa e abrindo espaço para se vestir descomplicadamente, naturalmente. Naturalmente? 

Eu sou uma adepta de roupas muito básicas, mas no meu caso isso pode ter vindo por uma influência forte da minha mãe (que trabalha com moda há trinta anos e sempre vestiu camiseta branca e calça jeans). Mas esse papo não é sobre roupas. Nem sobre nutrição ou arquitetura. Talvez você já tenha reparado. Se não, te conto agora.

Quando falo de moda, não estou escrevendo sobre a moda em si, combinado? E sim, sobre a corrente humana de trends, virais, cores (que já consumi muito). Não é crítica. Como disse, estamos batendo papo. Se estamos tão focados no exagero das coisas para consumi-las, de onde vem esse desejo do menos, do básico, do natural? Sim, talvez na falta disso.

Mas onde? Sendo bem sincera, na nossa psique, eu acredito. Não sou psicóloga, mas acho que os que são já perceberam isso há muito tempo, talvez anos ou décadas. Nossa vida emocional está congestionada. Um trânsito de cinco e meia da tarde nas vias expressas do Rio de Janeiro. A fila de um restaurante hypado no TikTok, que acabou de abrir. O único show do artista gringo mais tocado no Spotify. A praia de Copacabana no dia da virada. Um pouco por aí. A quantidade de informação talvez não seja o problema, e sim o nosso foco – no que entregamos nossa atenção.

As comidas estão mais salgadas. Os doces mais doces. Os vícios mais difíceis de abandonar. As tecnologias mais facilitadoras, nos permitindo passar mais tempo deitados. Assistimos ao filme, com uma mão na pipoca e outra rolando o feed do Instagram. É provável não estarmos fazendo coisa alguma. 

No meu primeiro dia de faculdade, ouvi uma professora dizer para mim: quem quer fazer tudo, acaba não fazendo nada. Foi durante aquelas apresentações de turma. Eu disse que estava no primeiro período de jornalismo e queria trabalhar como escritora. Ela perguntou se eu já trabalhava com alguma coisa e eu disse que sim, numa cafeteria. Três rotas diferentes.

Talvez ela estivesse certa, eu queria coisas demais. Queria tudo o que me interessava. E não sabia medir a intensidade no que me interessava. Tinha pressa. Não me pergunte por que ou para onde. Tinha e tenho a sensação de que há muito na vida para descobrir e todo o tempo que eu ganhar será sempre pouco porque terá sempre mais, a cada dia. Acho que encontrei. Uma fagulha do nosso desejo de abraçar o mundo ou equilibrar os pratinhos como dizem agora – e amo essa expressão. Naquele dia, era sobre minha profissão, mas hoje é sobre mim e você aí do outro lado da tela. Lendo esse texto por cima, para ver se é minimamente interessante antes de ler de verdade. E conversando com alguém enquanto faz isso. E com a televisão ligada ou andando pela rua. Está otimizando tempo? Eu também queria.

Eu comecei esse texto achando que queremos coisas demais e estamos viciados no excesso porque estamos, no fundo, vazios. E pode ser que seja verdade, ou não. É uma questão de bater mais papo. Mas como eu sei que você não gosta de gastar tempo à toa, vou deixar para o próximo. Agora que estou me despedindo, comecei a pensar que se estamos com uma sensação de falta permanente de estímulos, alegria e prazer, quem sabe se voltássemos a fazer uma coisa de cada vez, isso mudaria? Eu não sei, estou perguntando quem sabe. Talvez o bolo tenha mais gosto de bolo se eu comer o bolo olhando para o bolo e não para o livro que preciso ler e resumir até às seis da tarde. E talvez o macarrão também não esteja com pouco molho e nem precise de mais sal, se eu comer olhando para o macarrão e não para a tela do meu celular.

Não vim te pedir para usar menos telas, todo mundo já te pede, me pede e a gente já sabe. Somos teimosos. Estou te convidando a ver, sentir, comer, viver tentando não otimizar o tempo, ou pelo menos não o tempo todo. Precisamos fazer as pazes com a demora. É sobre aquela frase de Platão que diz que a beleza não está na coisa em si, mas nos olhos de quem a vê. Ou no nosso caso, nos olhos de quem vive. 

Melissa Nasser nasceu no dia 16 de maio de 2000, no Rio de Janeiro. É jornalista pela PUC-Rio e pós-graduanda em Formação do Escritor. Foi finalista de Poesia do Prêmio Off Flip 2023 e diretora do doc. “Escreviventes: autoras independentes no mercado editorial”. Participa da antologia “Nós: textos de autoria feminina (Selo Off Flip)” na primeira e segunda edição. Administra a cafeteria Mel com Açúcar em Três Rios/RJ desde 2017.

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