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mortífera

tenho na ponta da língua
a navalha fina
para desafinar
o coro dos contentes,
suas ladainhas.
nunca confiei meu corpo
na ponta da colina
fico bem longe da quina para não
dar vontade de brincar
com a vida.

doce devaneio

na estrada posso discernir
a virada brusca que leva ao
estrondoso espetáculo fora da curva
as labaredas, os fogos de artifício
o sangue que escorre do corpo no vidro

no interior, não sou sempre
uma pessoa legal
a mulher genial
que goza de sabedorias

alimento em mim
uma sombra intrínseca
que me come de dentro pra fora
até que ouçam sirenes de vida

e cá estou eu
de pele pútrida e carcomida
esperando o veredito do sono
dizer-me que nada aconteceu

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀[…]

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀  ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ainda.

síndrome

me sinto cansada
cansada de acordar e ter que abrir os olhos
cansada de escovar os dentes olhar o espelho me deparar com as
cansadas arcadas dentárias e os olhos opacos de vento
cansada de observar as novas protuberâncias e apertar o rosto nojento
cansada de esquentar a água do café tão cedo
cansada de fazer café
cansada dos quatro versos que passaram tão rápidos que já são seis
cansada de vestir as mesmas roupas e ir ao mesmo trabalho e fazer o mesmo trabalho
cansada de sentir a fadiga do corpo e a raiva expoente
cansada de forçar a peça no encaixe errado sempre
cansada de fingir o riso para piadas que eu não vejo sentido
cansada de estar à beira do abismo
cansada de estar cansada desta vida gasta
cansada do vazio da palavra.

isso não é um sonho

acordo sem querer acordar
levanto o corpo da cama-aconchego
rastejo até a cozinha
deixando sobre o chão
rastros de sonhos-desapegos

injeto o líquido preto adocicado
enfim acordo ainda não acordado
organizo as pernas
bebo um copo d’água
para regar as plantas da minh’casa

deixo estar estatelada de sol é
refresco e vitamina pra tempo seco
te deixo nos desaconchegos dos meus beijos
sorvo de ti o íntimo desejo
de continuar a sonhar

manifesto das musas

antes do amanhecer
já descobria o inferno
no acostamento, na encruzilhada
perdida entre o contraditório e incerto

toquei a angústia
com minhas mãos sujas
rasguei o véu da liberdade impura
ergui uma faixa sob meus chinelos
ambos remendados por pregos

não há magia que possa
me equilibrar sobre saltos cristalinos
para te ser sincera eu
me aconchego
em qualquer ninho

carrego no ombro
a pomba do (des)
compromisso

na real, cê
quer mais loucura que isso?

Laryssa Carreiro (1996) nasceu na zona leste da cidade de São Paulo, é tradutora, educadora e poeta. Graduada em Letras e Pós-Graduada em Semiótica e Análise do Discurso, pesquisa a escrita como forma de expressão no contexto da saúde mental e as relações da mulher com a escrita e a sociedade.

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