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um poema surge em ondas de saliva

um bocejo demorado vira um grito
na boca escancarada
cheia de ar
cresce um engasgo
desse sufoco todo
irrompe a tosse
da tosse vem o pigarro
do pigarro acontece o cuspe
se bem direcionado
o cuspe encontra a terra
e faz brotar alguma coisa
até do nojo

um bocejo demorado também pode
formar um sorriso bonito
terminar em uma gargalhada
de dentes que dançam assanhados
em cima de um trocadilho
ao lado de uma ironia
dentro de um sonho
bom

a palavra se esparrama
perdigotamente
pelos arredores
de um poema

parece viral

somos acostumados a pular de cabeça em um vale de cacos pontiagudos

elas são trepidantes
vibram com o movimento
nada retilíneo nem uniforme
do ar e da saliva
nas cordas vocais

em um estalo da língua
elas se espatifam no bafo
produzindo um barulho
baixo médio alto altíssimo
dependendo da vizinhança
nem os cães com seus
ouvidos biônicos
sensíveis a qualquer
mini-estrondo
conseguem
escutar

elas saem da boca
como se fossem cogumelos cuspidos
pulando de finquete numa piscina
metade cheia metade vazia

depois do pulo
quem manda é atmosfera
ela pode destroçar um bom paraquedas
derramando pedaços pela casa inteira
ou fazer planar uma maçã
contra a gravidade

a palavra é sempre um risco

Thaís Campolina (Divinópolis/1989) é autora do livro de poemas “”eu investigo qualquer coisa sem registro”” (Crivo Editorial, 2021, selecionado pelo Prêmio Poesia InCrível 2021), do conto independente “”Maria Eduarda não precisa de uma tábua ouija”” lançado em formato e-book na Amazon (2020) e da plaquete artesanal “”noticiosas”” (2023).

Também é mediadora do Leia Mulheres Divinópolis e do clube de leitura online Cidade Solitária. Em 2023, foi jurada na categoria “”Poesia””, do Tato Literário – 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente.

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