Por Bruna Escaleira*
Não faz muito tempo que a maternidade “real” invadiu as redes sociais, mas já se vê por aí muita gente reclamando de como a temática está saturada. Assim como tudo que é excessivamente exposto de forma relativamente superficial, o discurso das mães vem sofrendo com uma espécie de “cortina de luz”, que parece colocar a questão em foco, mas acaba “cegando” e não deixa enxergar a realidade profunda e múltipla por trás dela.
Por um lado, temos a ilusão de que todo mundo já sabe que as mães estão cansadas e sobrecarregadas e que isso basta para que as coisas mudem. Por outro, essa sobrecarga está ligada a questões tão estruturais da sociedade, que parece impossível solucioná-la.
Para sair desse impasse, apostamos na literatura.
Diferente das redes sociais, a presença da maternidade no meio literário está muito longe da saturação. Devido ao silenciamento histórico das mulheres, a figura materna como personagem ou tema central é relativamente recente na literatura. As obras canônicas, em sua grande maioria, retratam as mães como “santas” destinadas a cuidar e “padecer no paraíso”, sem direito à sexualidade e a qualquer outro interesse que não seja a criação dos filhos.
Há, portanto, um hiato gigantesco entre as experiências maternas reais e sua representação na ficção. Há uma parte essencialmente significativa das vidas de muitas mulheres que simplesmente não foi contada, discutida, elaborada até o fundo. Isso dificulta não apenas fugir desse modelo romantizado de maternidade, mas questioná-lo e propor novas maternidades possíveis para novos mundos possíveis.
Afinal, se a maneira como somos criados afeta tanto o funcionamento da sociedade, por que a maternidade ainda não está no centro do debate público? É urgente tirá-la desse gueto setorizado e discuti-la extensivamente, em relato, ficção, poesia, prosa, crônica, reportagem.
É preciso uma pluralidade incrível de vozes para dar conta do atravessamento avassalador que é a experiência materna, uma das raízes da experiência humana. É preciso que mães de todos os tipos e lugares escrevam, não apenas sobre suas formas de maternar, mas sobre tudo o que quiserem escrever, porque precisamos ouvir suas vozes.
Por isso, neste mês de maio, mais que exaltar aquelas que assumem o papel de mãe na pele, por escolha ou por falta dela, fazemos um convite que pode revolucionar sua forma de ver o mundo: leia uma mãe.
*Bruna Escaleira (@bru_esc) é mãe, escritora e jornalista. Nasceu em 1988 em São Paulo e renasceu mãe em 2019. É Mestra em Literaturas pela USP. Publicou “entranhamento” (Patuá, 2014), “algo a declarar.;” (Com-Arte, 2016) e “poemas para Liz” (Editora Arpillera, 2024). Atua em organizações feministas, escreve para a Revista AzMina e ministra cursos de escrita criativa, literaturas e feminismos. Para saber mais: https://linktr.ee/bruna.escaleira.