Com obra escrita durante a elaboração de um luto, Mila Teixeira reivindica uma poesia que não seja hermética e que desperte o riso dos leitores por meio do banal e do vulgar
“Seus versos trabalham como apostas, são performances de possibilidades, como na cena autoficcional em que as experiências vividas funcionam como veículo para o florescimento da outra.”
Trecho do prefácio assinado por Caio Riscado, professor, doutor em Artes Cênicas, diretor teatral, artista pesquisador e performer
“É um livro que mostra e explora a beleza e o horror de sermos o que somos, de não nos levarmos tão a sério e da intimidade das portas abertas.”
Thaís Campolina, poeta e escritora mineira
Entre o humor, o comum e a banalidade, a poeta e dramaturga carioca Mila Teixeira (@poetassaopobres) proclama uma poesia que desce do altar para se dizer pequena, miúda e até mesmo vulgar. Uma poesia que insiste em mostrar o que é belo e o que nos repulsa no ser humano, em meio à comicidade. Que preza pela insistência de ser quem somos, em nossa versão mais crua e mais próxima do real. É o que encontramos em seu livro de estreia “A Proclamação da Vulgaridade ou Quantos Furos uma Calcinha Pode Ter?” (66 pág.), publicado pela editora Urutau.
Em seus poemas, o comum é ser vulgar, sem ser sexy. “Mila Teixeira proclama a vulgaridade para marcar seu posicionamento contrário à imposição de normas que controlam nossos corpos e, sobretudo, a produção de saberes sobre eles. Proclamar a vulgaridade é uma tomada de decisão ética que expõe a sujeira varrida para debaixo do tapete e, nessa revelação, elabora um chamado sobre a estética das impurezas, da obscenidade em se saber viva e do prazer da decomposição”, escreve no prefácio Caio Riscado, professor, doutor em Artes Cênicas, diretor teatral, artista pesquisador e performer.
A obra da estreia faz parte do processo de elaboração de um luto. “Eu queria rir pra não chorar. Atualmente, essa é a minha persona poética, essa é a minha bandeira literária, a comicidade. O ‘A Proclamação da Vulgaridade’ é a minha carta de intenções”, afirma Mila, que antes de publicar o livro finalizou outro sobre luto, chamado “12 Poemas Sobre Perda”. “Era um livro muito triste, claro. Cheguei a tentar a publicação e agradeço que não rolou. Uns meses depois de finalizar o ‘12 Poemas’, comecei a testar uma escrita mais cômica”, conta.
A partir de um fluxo de experiências do comum, espasmos cotidianos e pequenas imundices diárias, a poeta constrói seu relato em “A Proclamação da Vulgaridade”. Também há erotismo e desejo em seus poemas — e neles evidencia um passeio íntimo, quente, sem pudores, de uma intimidade radical: “pouco me importa/o tamanho do seu pau/se suas delicadas mãos fazem o que sabem fazer e/me tratam como um bom animal”. “A poesia não precisa ser hermética, ela pode falar de temas cotidianos, não precisa ser escrita de um jeito difícil ou solene”, frisa a autora. “Quis que as pessoas se divertissem lendo poesia. Não sei se fui bem sucedida, mas ninguém pode dizer que não tentei.”
Segundo a poeta e artista visual carioca Maria Isabel Iorio, que escreve a orelha da obra, o efeito deu certo: ela considera a poesia de Mila uma grande risada da nossa condição, de todos os diagnósticos médicos reais, ou inventados. “Aqui estamos colados à nossa decomposição, à nossa breguice, aos nossos lençóis com elástico frouxo”, evidencia no texto.
Para escritora e poeta mineira Thaís Campolina, trata-se de uma obra que “conforta e faz rir todo mundo que usa calcinhas furadas, já tomou dipirona vencida, pensa na decomposição da barata que mata e mija demais por prezar sempre por boa hidratação (e Coca-Cola)”. “É um livro que mostra e explora a beleza e o horror de sermos o que somos, de não nos levarmos tão a sério e da intimidade das portas abertas.”
O livro de Mila não é distante de seu corpo e realidade. “O que não quer dizer que sua poética se resuma às circunstâncias de uma política identitária. A voz que fala é múltipla, difícil de reduzir a categorias preestabelecidas. Vida e obra confluem, mas não para criar uma espécie de diário preenchido por confissões. Portanto, distante de um registro egocentrado”, explica Caio Riscado. “Seus versos trabalham como apostas, são performances de possibilidades, como na cena autoficcional em que as experiências vividas funcionam como veículo para o florescimento da outra.”
Uma poesia que foge do hermetismo e provoca o riso
Adília Lopes, Ana Guadalupe, Machado de Assis, Manuel Bandeira, Nuno Ramos, Marília Garcia e Lydia Davis estão entre os principais nomes que influenciam a poesia de Mila, que nasceu no Rio de Janeiro em 1993. Para seu livro de estreia, a poeta começou a pesquisar o ordinário na literatura ao ler o livro “Um Teste de Resistores”, da escritora Marília Garcia.
“Mas enquanto uma poeta que também é dramaturga, a minha poesia é cênica, então, eu pensei muito na peça ‘Esperando Godot’, do Samuel Beckett, que é absurda, fala sobre o nada. Acho que meus poemas não bebem tanto do ‘Esperando Godot’ em si, mas eu pensava ‘como posso rir do nada?’, ‘como posso fazer o leitor rir comigo sobre nada?’”, elucida.
A poeta sempre teve incentivo de pais e avós para a leitura, desde a infância. “Ganhei ‘Antes do Baile Verde’, da Lygia Fagundes Telles, quando tinha 13 anos. Fiquei fascinada e quis imitar a Lygia”, recorda Mila, que nessa época começou a escrever contos. “Antes de ser poeta, sou ficcionista. Não escrevo de forma biográfica. Gosto de contar história. Só comecei a escrever poesia quando tinha uns 20 anos, depois que me apaixonei por um poeta: Manuel Bandeira. Li muito os clássicos e depois comecei a ler poesia contemporânea e me achei nela”, conta.
Mila também é autora das peças Inscrição na Areia, apresentada no festival Brazil Diversity, em Londres, em 2018, e Mandinga, apresentada no festival Mulheres em Cena, no Teatro Maria Clara Machado, no Rio de Janeiro, no começo de 2020. Tem poemas publicados em revistas digitais como Escamandro, Mulheres que Escrevem, Totem & Pagu, Ruído Manifesto e O’Cyano.
Acompanhe a Mila Teixeira no Instagram: @poetassaopobres
Compre o livro pela Editora Urutau, Livraria da Travessa ou Livraria Martins Fontes
Confira um poema de Mila Teixeira:
poetas são pobres
hilda hilst disse que esse negócio de poesia
não dá dinheiro nenhum
se é pra escrever
que não seja poesia
poetas não recebem
salário
direitos trabalhistas
prestígio ou
podem tirar férias
ninguém lê poesia
ai que verso inflamado muda isso
são poucas as pessoas que leem
poesia
poetas acumulam:
(as que não são herdeiras, pelo menos)
boletos
saldos negativos
empréstimos
ligações de são paulo e
precisam trabalhar em agências
de publicidade
escrever comerciais
dá algum dinheiro
não se engane não
muito
com.tato – curadoria de comunicação
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