“Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida,
atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu?”
-Clarice Lispector
O céu está cinza. As nuvens choram. A cidade melancólica hoje parece ter a saudade como neblina densa. Senti um aperto no peito, meu coração miúdo bateu descompassadamente. De repente, eu era uma casa pequena demais para abrigar um tanto de emoções. Senti ânsia de algo. Não sei o quê. Somente senti.
Lembrei-me da infância. A miudeza fez o impossível – se apertou ainda mais.
Corria pelo jardim que eu mesmo inventei. Colori flores e as perfumei do jeito que eu quis. A grama era verde como fotografia saturada. Acho que meus olhos viam mais cores e minha pele sentia mais brisa e calor do sol. Tinha uma certeza estranha de que a felicidade fazia morada naquele lugar e que estaria aqui para sempre. Mas não.
Devo ser, agora, um pássaro na gaiola.
Sempre tive medo do escuro. Sinto saudade até mesmo dele. Ele não me parece tão perigoso hoje, que já conheço os perigos existentes em cada esquina que se vira nos caminhos de um coração. Acho que ele me dava medo pois nele sempre morou a incerteza. Era como se um monstro morasse no apagar das luzes. Mas não. Ele mora dentro de cada um de nós.
A esperança era uma flor que brotava em meu peito. Crescia como se tivesse sido semeada em solo fértil. Talvez eu fosse um solo fértil – pronto para receber tanto do mundo. Achei ser um carvalho gigantesco crescendo aos poucos. Quis ser abrigo. Ter raiz tão fincada na terra para que nunca me perdesse.
Me perdi.
Como pude eu ser tão feliz encaixado em um abraço. Devorando doces. Assistindo cores na televisão. Era como se eu andasse e saísse faísca. Tinha ar o suficiente para dar a volta ao mundo, mesmo sendo tão pequeno – minhas pernas me levariam para qualquer lugar e eram nelas onde sentia as únicas dores. Elas estavam crescendo mais rápido do que eu.
Do sono tranquilo ao riso escandaloso.
Do tanto de amor que preenchia meu coração.
Dos olhos de jabuticaba que eram brilhantes, doces e viam o mundo cheio de carinho.
E ele era tão confortável e seguro. Não sei o quanto ele mudou. Ou o quanto mudei.
Queria abraçar aquela criança. Pedir desculpa. Tenho certeza que não foi esta vida que almejamos enquanto estávamos pisando no nosso jardim. Eu o decepcionei e a decepção é ferida que nunca cicatriza. Eu consigo viver com ela, mas isso não significa que ela não doa.
—Terminou? — a voz masculina rouca me cortou como uma navalha. Observei o homem carrancudo e engravatado com uma pilha de papel nas mãos. Seus olhos eram cinzas como o céu. Balancei a cabeça em negativo. —Preciso destes prontos também. — jogou então os papéis na minha mesa bagunçada.
Olhei ao meu redor. O escritório estava cheio, mas ainda assim era silencioso. Todos estavam aficionados em suas telas, nem sequer piscavam. Cheio de gente e vazio de tanta coisa. Talvez todos aqui, hora ou outra, também pensem em seus passados. Duvido muito que alguém tenha pensado que terminaria aqui.
Desculpe. Sei que não iria gostar de ver essa perda de tempo que acabei nos enfiando. Mas sabe, de certa forma, a culpa não foi minha.
O mundo fora do nosso jardim é bem diferente.
Maria C. Henriques gosta de pensar que a escrita sempre a perseguiu. Percebeu que talvez sua maneira de ser feliz e se sentir viva é pegando papel, caneta (ou notebook, claro!) e deixando as ideias jorrarem! É mãe de gato, amante de dias frios, fotografia, livros, chocolate, trilhas sonoras, flores e toda forma de expressão através da arte. Principalmente, acredita que a beleza vive na simplicidade, por isso, se esforça diariamente para vê-la.