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equação

em todo poema que eu escrevo
existe você
que transforma todos eles
½ que numa equação matemática
onde você
é sempre uma variável

(às vezes)
você é como o sol trazendo calor & brilho num dia meio bosta
a chuva lavando o deserto
uma semente de esperança quando nada mais faz sentido
(às vezes)
você é tipo um núcleo de plutônio de conexão
o suspiro a surpresa e o soluço
é triste como uma piscina vazia numa gritante tarde de verão
(às vezes)
você é mais é menos multiplica & divide
é como os presentes que eu te fiz e não entreguei
sumindo na poeira do teu esquecimento

às vezes são tantos sentimentos que se eu escrever todos vão me chamar de piegas
ou violento
(às vezes)
você é maior que menor que ou diferente de
o rascunho perfeito de um poema impossível
(mas
às vezes)
você é apenas uma imbecil


plantando nós nos nossos peitos

dia desses tomando banho pensei
um poema
composto por versos colhidos
da sua escova de dentes
que ainda habita o armário
do banheiro do meu quarto
(a minha no seu você já
deve ter jogado fora, né?)

aí ele se estendia refletindo sobre
o anel de cobre (latão?)
que você me deu — na real não entendo
nada sobre ligas metálicas não ferrosas

semanas depois é sábado à tarde
faz sol & venta pra caralho
hoje já teve samba feijoada torresmo
cerveja & muita conversa
caminho pelos trilhos de um trem
que jamais passará
me vejo chorando em praça pública
pensando que eu sempre vou querer
ouvir Belchior no seu carro

caminho contra o vento & o poema faz
meus olhos lacrimejarem ainda mais

meses atrás

eu não estava certo
de que poderia te plantar
no meu coração
não queria correr o risco de desperdiçar
uma semente tão preciosa
mesmo sabendo que o amor é
uma agricultura regenerativa

meses depois

eu ainda não usei aquela camiseta
botânica bonita que você me deu
sua escova de dentes segue no armário
do banheiro do meu quarto
assim como
os belos & fortes sentimentos
por nós plantados no meu peito
assim como
as promessas nunca feitas
& todos nosso planos plantados no ar


bomba biótica

1.
um poema que começa assim
procurando alguém pra dividir uma garrafa de cerveja gelada
num domingo calorento na beira da piscina do clube lotado
um poema que se reclame
de barriga cheia dos encontros fugazes
pois se sente velho demais pra tanta volatilidade
& agora busque construção conjunta
aconchego chamego & #pas
um poema que na real
seja somente uma variação da minha bio no tinder
& aplicativos similares, mas aqui sem preocupação
com limite de caracteres ou de como vão interpretar

(mesmo sabendo que 80% das pessoas não vão ler
— tanto o poema quanto a bio —
& que possíveis amores se tornarão inviáveis num
simples arrastar de dedos pro lado errado)
um poema que possa soar
como um grande #euavisei quando te faz lembrar
daquela tarde num feriado prolongado quando eu sugeri
que melhor do que um passeio pela cidade vazia
seria tomar cerveja na beira do rio bonito
(mesmo sem nunca ter ido ao rio bonito)
ou que te faça lembrar
de quando eu sugeri que você ficasse logo sócia no clube
pra gente tomar a heineken mais barata da via láctea
enquanto crianças se enchem de areia no parquinho
(ou ainda)
um poema que depois nos lembre
que existe a solidão
& o sentimento de solidão
(duas coisas próximas
porém distintas)
& que (às vezes) existe o amor
& o sentimento de amar
& de ser (ou não ser) amado
um poema sábio
ciente de que o trem da vida
não espera estarmos prontos
nem espera a nossa hora:

tal qual uma estrela cadente
se não prestamos atenção
simplesmente passa
& a gente não vê

& aí
quando estou sozinho
numa sexta-feira de lua cheia
de ventos no clube cheio
de casais (aparentemente) felizes
enquanto eu penso na solidão que
me acompanha em boa parte
destes meus quarenta anos
eu olho pro lado &
vejo uma criança minúscula
de chupeta roxa na boca
que olha pra mim &
sorri =)

sinto a fumaça do churrasco
sinto a saudade dos seus cheiros

2.
sei que seria mais confortável
me entregar a quem me quer

mas quem me quer
eu não quero
quem eu quero
não me quer
quem eu quero e também (acha que) me quer
não está perto
quem eu quero?

meu coração às vezes dispara
fico vermelho & noutras
tal qual um cuitelinho
de repente parece que para
não sei se morro de tristeza
não sei se explodo de raiva
(mas sei que o universo constrói
caminhos curiosos & a saudade
é uma ausência presente)

de repente
tal qual uma bomba biótica

semente da vida lançada nos campos
do renascimento ecológico
onde a natureza
(tal qual uma sinfonia)
busca a harmonia perdida

como um deus pagão & falho buscando
sua contraparte imperfeita complementar
meu vão de terra no concreto se parece com meu coração:
ainda que pequeno
quer ser uma floresta


discursos

1.
você diz que quer amar
mas tem medo de sair na chuva

diz que busca a felicidade
mas reclama quando a campainha toca

toda dia
querendo você ou não
o sol nasce

crianças gostam de mascar chicletes
jovens hoje fumam pen-drives
& filhotes de gatos muitas vezes são ariscos

influencers versam sobre sororidade
coaches sobre a importância do amor próprio
& você diz estar focada mais em você mesma

a publicidade vende auto-estima
as igrejas, prosperidade & salvação

o resultado disso tudo?

desamparo & desespero diluídos
em discursos de autossuficiência

2.
você diz muitas coisas interessantes
em conversas que vão daqui à lua

inclusive, você diz que gosta da noite
mas não dá um passo no escuro

tem também a astrologia

mas a verdade é que os astros
não tão nem aí pras nossas picuinhas
telúrico-mundanas de araque

saturno, ou mesmo psiquê
riem da tristeza e do remorso
de quem teve seu amor renegado

por isso, às vezes solidão
& saudade se confundem

e eu já nem sei mais se
bebo pra esquecer
ou pra lembrar

3.
você chora ouvindo schubert &
rebola a raba com um remix de rihanna

tua presença não apenas preenche
mas transborda minha taça

quando o espiritual & o mental
se alinham, manifestos na realidade
mostrando que está tudo conectado

a sincronicidade é um lembrete do universo
e ainda que nunca seja uma palavra muito longa

se vc fosse menos triste
nós seríamos mais felizes

Baga Defente é pai, poeta e artista-etc que utiliza as poéticas do acaso para criar obras que exploram as fronteiras e interseções entre registro, memória e ficção. É fundador, diretor-geral e editor do NADA∴Studio Criativo, um híbrido de ateliê multimídia, produtora cultural e editora independente sediado em Botucatu/SP. Publicou “Pra estancar essa sangria” (2021, poemas) e “Teu sangue vermelho na minha parede verde” (2023, romance).

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