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Insensatez

Observo o fim da tarde pela janela.
O sol se põe em pedaços.
A orquídea ilumina o jardim.
O cheiro da madeira exala as velhas lembranças.
Quanta insensatez!
O que é belo demais pode cegar.
Aquilo que todos desejam pode ser o mesmo motivo
para que ninguém permaneça.
A pragmática da loucura.
A norma que antecede a regra.
O defeito em ser bom.
Observe os litros de solidão
As telas cheias
As roupas caras
Distâncias calculadas
Um like, um afeto.
Roteiros de desejo
Escaletas de todas as salivas
O enjoo que antecede a queda.
Há uma beleza em cair
Em fazer do seu pior a sua melhor companhia.
A tarde demora a acabar.

O sol se põe em pedaços.
A rosa queima, se fere e chora.
Procura outra rosa e encontra carros.
Se perde na cidade
Suas pétalas murcham
Seu ânimo vai embora.
Chega o inverno
A chuva encharca seus sonhos.
Ela exala seu aroma único.
Há quem consiga distinguir suas palavras.
Quem leia seus sentimentos.
Entre os sinais que lhe dizem: pare, seja mais atenta e siga.
Ela deseja seguir, sentir.


Morango Selvagem

Morango-Silvestre.
Selvagem.
Ouve-se pela lira, pela lírica e pela harpa.
Desconhece a normalidade
Prefere a agitação dos seus sentimentos.
No vai e vem de suas flechas
Ama com o coração partido.
A arte do coração é a beleza do seu sangrar.
Sangra pelas linhas vermelhas dos seus olhos miúdos.
Pela nota vermelha da prova que o fez um péssimo aluno.
Pelo rubor da face que não esconde seu descontentamento.
Pela pele quente avermelhada de desejo.
Silvestre
Selvagem.


Os cães são proibidos de atravessar a rua

Embaralhe as cartas de tarot.
A fórmula da cura é a bula do Escitalopram.
Algumas mortes não são criminalizadas.
O sangue da capulana, o roxo da dona violentada
e os cílios da travesti.
Os mártires e os demônios
trocam de papéis a cada quatro anos.
Os territórios são marcados pelos heróis de cetim branco.
Dispostos a ajudar em troca de um favor.
As boas intenções da cerca elétrica.
Pairam notícias nos jornais.
A gasolina subiu, a esperança despencou.
Corpos duelam no Grindr.
Ninguém encontra o que quer.
As madames compram bolsas caras.
A menina muda de personal trainer.
Algumas peles incomodam.
A capulana leva seu filho para creche.
O roxo da dona violentada é coberto por uma base barata.
O filho sequer desconfia. A nora finge não ver.
A travesti corre para não apanhar de novo.
Nova notificação no Grindr.
Os heróis de cetim branco vencem mais uma eleição.
A madame coloca a bolsa cara no brechó.
O pai da menina compra uma vaga na faculdade de Medicina.
Os cães são proibidos de atravessar a rua.


A estrela-cadente

A estrela-cadente chora enquanto cai no céu.
Ela é conhecida por sua gentileza.
Aqueles que a enxergam se perdem com o seu brilho.
É perigoso amar aquilo que é belo e frágil.
Dispersam seus olhos para outros faróis e retomam sua visão para o alto.
Ela não está mais ali.
Mudou a cor do céu.

Sobrevive a fumaça após a queda.
Dentro do seu túmulo, ela consegue respirar.
Corta como o toque da água gelada.
Ganhou a forma da vida.

Tatua as suas perdas.
Mira o céu para se lançar novamente.
Volta a cair.
Ela se coloca nas mãos de alguém toda vez que cai.
Quis abarcar as dores do mundo
e seus ombros se enterraram com o sofrimento celestial.

Na Terra,
conhece a inveja de manto púrpura
a peregrinação dos pais para dar uma vida melhor aos seus filhos
o sofrimento dos filhos por não darem orgulho aos seus pais.
a sedução das bocas furtadas
os olhares vidrados em seus passos
a beleza que cerca seu nome
a dor que corta como o toque da água gelada.

Caio Araújo é autor de ”Brisa” e ”Bodas de Madeira”. Vencedor do Concurso Roteiristas do BR. Finalista do Concurso Narratologia.

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