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“Como se fôssemos vilões”, romance escrito por M. L. Rio em 2017 e publicado no Brasil em 2022 pela Companhia Editora Nacional, narra o último ano de um grupo de atores em uma prestigiosa faculdade de artes americana. Oliver, James, Alexander, Richard, Meredith, Wren e Philipa, obsessivamente devotados ao estudo e à performance de Shakespeare, terão que lidar com uma investigação policial que se mistura às tragédias que encenam nos palcos após o brutal assassinato de um dos integrantes da trupe. 

Richard é encontrado pelo resto do grupo terrivelmente machucado e respirando com dificuldade no gélido lago da universidade. No entanto, seus amigos, já assustados com o  comportamento cada vez mais hostil e violento do vilão de todas as peças que fazem, decidem não interferir e deixar com que ele termine de morrer afogado. Acreditando que a polícia suspeitaria deles, já que todos teriam motivos e oportunidades para cometer o crime, eles apresentam uma versão ensaiada dos eventos, no qual tudo estava bem até o momento em que encontram o amigo morto. Além de não convencerem totalmente o detetive Holinshed, que enxerga os vários furos dessa versão dos fatos, a tensão entre os próprios amigos começa a trincar a união que existia entre eles e transformar-se em paranóia. O que realmente havia acontecido? Poderia um deles ter assassinado Richard de fato?

O livro começa no dia em que Oliver finalmente decide contar a verdade ao detetive responsável pelo caso, após cumprir uma sentença de dez anos pelo homicídio de Richard. Como havia de ser em uma história tão dedicada em sua homenagem ao grande escritor inglês, as narrativas dentro da trama se organizam como molduras, ora se atendo ao presente, ora recordando do fatídico período do crime e ora mergulhando nas peças que se intrometem na identidade dos personagens. Porém, a característica mais marcante do livro é que, em todos os níveis, ele apresenta-se como uma tragédia digna dos dramas de Shakespeare. 

No início, através de uma escrita minuciosa que incorpora trechos (muitas vezes  verbatim das peças), a semelhança com a obra“Júlio Césaré nítida. A traição fatal de um amigo propõe a questão: “o que é mais importante: César é assassinado ou assassinado por seus amigos íntimos?”. Porém, à medida que a história progride, a autora brinca com os arquétipos inicialmente designados aos personagens e, assim como no clímax de Rei Lear, o verdadeiro papel que cada um teve na morte do amigo é revelado. Os heróis se tornam vilões e os vilões transformam-se em vítimas. E, finalmente, em uma brilhante reviravolta, o final da trama traça um paralelo com Romeu e Julieta, no qual os amantes desafortunados sacrificam suas vidas um pelo outro. 

Ao relembrar dos eventos do passado, Oliver é confrontado com um questionamento que atinge o cerne da narrativa. “Você culpa Shakespeare por alguma coisa?” e ele responde “Eu o culpo por tudo (…) Falávamos como uma segunda língua, conversamos em poesia e perdemos um pouco de contato com a realidade”. E assim, “Como se fôssemos vilões” não é só um suspense contaminado pela obsessão, mas uma inteligente investigação do papel da arte na identidade de um indivíduo. O livro, apesar de não oferecer uma resposta, insiste em uma pergunta atemporal: é a arte que imita a vida ou a é vida que imita a arte? 

Júlia Cadar nasceu em 1998 na cidade de Belo Horizonte. Desde pequena sua paixão esteve nas palavras e então, naturalmente, todas as suas ocupações envolvem Letras. Formada em Edição, é mestranda em Estudos Literários pela UFMG e faz Pós-Graduação em Escrita Criativa. Enxerga o mundo em forma de história.

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