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“Também o vazio é pleno de coisas”
Denilson Lopes

Como pensar o homem “comum” diante da globalização, dos deslocamentos, do pós-colonialismo, da interculturalidade, do trânsito de identidades? Mais do que encontrar respostas, Denilson Lopes, na obra: No coração do Mundo: paisagens transculturais (2012) percorre os caminhos que os meios de comunicação, mais especificamente o cinema usa para delinear este homem. Para isso, lança um olhar a filmes provenientes do extremo oriente, leste europeu, norte da França, África subsaariana, do norte da Argentina e do Brasil. A obra teve início quando Lopes realizava pós-doutoramento na New York University em 2005.

O objetivo de: No coração do Mundo: paisagens transculturais, de acordo com Lopes, não é o de examinar como comunidades nacionais, étnicas ou locais, produzem e dispõem de suas próprias imagens, mas sim, mapear películas dos anos de 1990, que possuem uma relação estreia entre a local e o global.

O livro possui um tom leve, mas as análises são profundas e perturbadoras. O próprio autor afirma que não é um crítico “não faço panoramas nem avaliações, só me interessa falar do que me provoca, sou um ensaísta […] Escrever foi uma luta diária contra o cansaço, contra o tédio contra a dispersão. […] Não sou um intelectual”. (Lopes, 2012, p.16).
A obra divide-se em dez ensaios intitulados: Do entre-lugar ao transcultural; O olhar intruso, Para além da diáspora; De volta ao mundo; O efeito Ozu, cinema cotidiano; Encenações pós-dramáticas e minimalistas do comum; O local, o comum e o mínimo; Igrejas, cartões-postais e comunidades; Desaparição e fantasmas; Só vou voltar quando eu me encontrar. Além de uma seção de agradecimentos e do prefácio.

Para discutir o entre-lugar, tema de seus primeiro ensaio, na obra supracitada, Lopes ampara-se principalmente nas perspectivas teóricas propostas por Silviano Santiago; Arjun Appadurai, Néstor Garcia Canclini, mas adverte não ter a intenção de fazer uma genealogia do vocábulo. Ressalta que o entre-lugar é o ponto de partida para os estudos das paisagens transculturais e que colocam esse homem na tela (ponto fulcral da análise) e para além dela. Assim, o entre-lugar, que por sua singularidade e ao mesmo tempo complexidade, pode ser entendido sob diversas perspectivas. Seria então o entre-lugar, um não-lugar, uma transposição de barreiras, um alargamento das paisagens? “O entre-lugar é espaço concreto e material, político e existencial, local, midiático e transnacional de afetos e memórias” (Lopes, 2012, p. 28).

Mais adiante nos outros ensaios, Lopes observa como apresenta-se O sujeito na tela. Assim no ensaio intitulado: “O olhar intruso”, busca definir o quão estrangeiro é a perspectiva deste homem que chega a um lugar, mas não se sabe bem ao certo de onde veio e que aporta em um terreno que não é o seu, mas que pode ou não identificar-se com aquele lugar, tateia por paisagens, em busca do desconhecido e talvez procurando o conhecido. Comparações e estranhamentos são uma constante. Demostra isso através da filmografia de Claire Denis “que assume explicitamente um olhar, que não tem intenção de falar pelo do outro, esse tipo de olhar se assume como problemático, como limitação e possibilidade, nem superior nem inferior, mas tenso” (LOPES, 2012, p. 5).

A diáspora também é discutida por Lopes por meio dos filmes de Abderrahmmane Sissako e novamente os produzidos por Claire Denis, desta feita, as noções de diáspora permeiam os movimentos migratórios, que delineiam os trânsitos de culturas. Como afirma Cauquelim (2011, p.155), “os estados nômades não são estados provisórios- são antes devires, ordenações de fragmentos, sempre se decompondo para então se recomporem”.

Dentro desta perspectiva, é importante ressaltar na obra de Lopes aquilo que vem sendo desenvolvido no universo cinematográfico o world cinema (cinema-mundo), o termo pode ser comparado, como explica o autor com a world music e world literture. “Um cinema global estaria mais perto de um atlas, um mapa” (Lopes, 2012, p.75). Coadunando com este pensamento Warnier (2003) ressalta que as culturas sempre estiveram em contato e ao mesmo tempo estabeleceram uma relação de troca umas com as outras. No entanto, com o aparecimento das chamadas “revoluções industriais sucessivas dotaram os países chamados de “desenvolvidos” de máquinas de fabricar produtos culturais e de meios de difusão de grande potência” (Warnier, 2003, p.26).

“No coração do mundo: paisagens transculturais” ocupa-nos em refletir o que paradoxalmente vamos encontrar no centro: o periférico. O individual que mescla-se no global, que bebe na fonte do local e qual seria mesmo o local? Um entre-lugar? Quiçá o cinema possa nos responder é o que provoca Lopes.

REFERÊNCIAS

CAUQUELIN, Anne. No ângulo dos mundos possíveis. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007.
WARNIER, Jean-Pierre. A mundialização da cultura. 2.ed. Bauru, SP: Edusc, 2003.

Andreia Santos é graduada em Comunicação Social, Universidade Estadual da Paraíba- UEPB. Especialista em Literatura e Estudos Culturais – UEPB, Mestra e Doutora em Literatura e Interculturalidade-UEPB. Professora no Centro Universitário UNIFIS- Serra Talhada_PE.

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