Mãe
Abro o álbum de fotografias
e escolho morar nesta:
nós, no parapeito da janela
o sol embalando uma tarde eterna
as flores do lado de dentro da casa
colorem, no presente,
um tempo passado.
Nossos rostos a foto não mostra
mas estamos lado a lado
e nossas mãos, reunidas, contam mais
do que uma memória inventada.
Ali, conversávamos com Deus, mãe
e não pedíamos nada.
–
Um Conto de Verdade
Rasgando o céu num clarão
o cometa ilumina, queima, invade.
Conhecedora do universo,
sei que cometas estão de passagem.
Sobreavisos, porém,
não imperam sobre os sentidos
reluto com meu coração
mas ele segue alheio a minha vontade.
E assim, no telescópio da minha visão
me contradigo
e sigo o rastro da sua imagem
Repito ao coração
que sua casa é o mar e o chão
e não há rota de navegação
fora desta paisagem.
Mas eis que, escapando
do radar da ponderação,
me perco entre a imaginação e a realidade.
Meu coração acena,
e jura que vê o cometa responder
numa canção, numa mensagem.
Os porquês perdem importância
quando as fronteiras da distância
não impedem nem a partilha
do peso da gravidade.
Abro as portas para a saudade
e abraço a inspiração
que é reunir o céu e o chão
num conto,
no qual espero não ser apenas
projeção, personagem.
Pauso a leitura na página do presente,
que faz meu coração forte,
como a natureza do cometa,
e fluido, como minha própria natureza.
Torno a canção trilha sonora
para convocar boas memórias
se o tempo nos dispersar
em clichês de impossibilidades.
Conhecedora do universo,
deixo essa previsão pela metade.
E aceno, ainda que sem saber
se nos apresentamos ou nos despedimos
enquanto sinto meu coração acelerar ao dizer
é um conto, mas é um conto de verdade.
–
Poema III
Sonho
Acordo neste túnel
Repleto de escuridão
Percorro um jardim florido
Seria um sonho?
O tempo se estica, elástico
E a tarde, eterna, embala outro sono
Acordo à noite
Num jardim florido
Repleto de escuridão
Percorro um túnel
Seria um sonho?
O tempo derrete, feito gelo
E a madrugada, eterna, embala outro sono
Acordo na escuridão
torcendo que seja sonho.
…
Priscila Iglesias é jornalista, fotógrafa e poetisa. É carioca e tem 39 anos. Em 2001, teve um poema premiado pelo jornal O Globo. Em 2003, esteve na coletânea “Em Versos”, da Editora Uerj, e em sites. Em 2023, foi aprovada na convocatória da Revista TAUP. Mantém alguns de seus poemas em medium.com/@priscilaigr. Deseja que seus poemas possam inspirar, aquecer, despertar, consolar, alegrar, ou tudo ao contrário, como é o mistério da poesia.