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Matheus Borges (@matheusmedeborg) nasceu em Porto Alegre, 1992. É formado no curso de realização audiovisual da Unisinos e egresso da oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil, realizada na PUC/RS. Suas histórias já foram publicadas em revistas literárias brasileiras e no exterior, bem como em coletâneas e antologias. No cinema, atuou como roteirista em “A Colmeia”, longa-metragem vencedor de cinco prêmios na edição 2021 do Festival de Cinema de Gramado. Atualmente, Matheus está desenvolvendo seu projeto de mestrado no PPG Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O romance “Mil Placebos” (Uboro Lopes, 192 pág.), seu livro de estreia, foi vencedor do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica, na categoria “Narrativa Longa – Ficção Científica” e finalista do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura.

Uma literatura de extrapolações: o que pode a ficção científica?

A ficção científica é um fenômeno essencialmente moderno. Claro que podemos traçar uma história da formação do gênero que remonta aos contos fantásticos da antiguidade, porém não há como negar que é um desdobramento das revoluções científica e industrial. Isso porque a ficção científica não se manifesta puramente em suas convenções narrativas. Engloba também uma perspectiva própria, um método de trabalho.

Isso fica evidente quando olhamos para o pioneiro romance de Mary Shelley, Frankenstein (1818), cujo subtítulo, “O Prometeu Moderno”, estabelece uma ligação entre a mitologia clássica e a contemporaneidade da autora. As ideias do Frankenstein de Shelley têm um pé no mitológico e outro no fascínio provocado pela revolução científica: à época, eram famosos os experimentos conduzidos por Luigi Galvani e Alessandro Volta sobre a possibilidade de reanimar cadáveres utilizando correntes elétricas. 

Aqui, o gênero serve para elaborar como essas e outras novidades foram eficientes em destronar as divindades de outrora e passaram a ocupar o imaginário da humanidade. O que Shelley faz é transferir os experimentos do terreno das hipóteses para o mundo de concretude esquematizada da ficção. Extrapolando o que é ou não possível, Shelley oferece ao leitor uma nova perspectiva de olhar para o mundo e para a condição humana. A curiosidade dá lugar ao fascínio e o fascínio, à alienação. Em muitos níveis, é essa perspectiva inaugurada por Mary Shelley que parece ser a fundação do gênero.

O século XX é marcado por autores que, em diferentes níveis, parecem compartilhar desse ímpeto inicial de Mary Shelley. As histórias de Philip K. Dick são extrapolações da compreensão de subjetividade e identidade individual. Arthur C. Clarke extrapolou ideias referentes à colonização do espaço e à possibilidade de inteligência fora do planeta Terra. A ficção de Ursula K. Le Guin extrapola sistemas de organização político-social para revelar novas possibilidades de a humanidade se relacionar entre si e com a natureza.

A perspectiva extrapolativa, inerente à ficção científica, ganha um peso ainda maior quando percebemos que nossa realidade se aproxima de modo cada vez mais desconfortável dos futuros imaginários. À medida que seguimos nossas vidas com pequenos supercomputadores em nossos bolsos, interligados por uma rede global, num planeta em estado de colapso ambiental e climático, atravessando momentos político-sociais que remetem a cenários imaginados por Atwood, Orwell e Ballard, a extrapolação se torna um estado mental constante, talvez um novo paradigma de realismo. De que forma somos transformados por nossa relação simbiótica com as tecnologias digitais? De que forma podemos imaginar uma alternativa à ordem capitalista? De que forma será possível a vida num planeta com temperaturas acima dos 45 graus?

“Tudo está virando ficção científica”, sintetizou Ballard em 1971.

Mesmo quando olha para um futuro imaginado ou para civilizações alienígenas em planetas distantes, a ficção científica está voltada para o tempo presente. Ao articular situações imaginárias que envolvem outras formas de compreender e interagir com a realidade, o autor parte de hipóteses em busca de um diagnóstico. Por essas razões, a ficção científica é provavelmente o gênero mais interessado no aqui e no agora.

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